sábado, 30 de maio de 2009

O Retrato de Edna


CONSIDERAÇÕES SOBRE O BALANÇO DAS MORTES VIOLENTAS NO RIO DE JANEIRO NOS SOMBRIOS ANOS DE 2007-2009

NÚMEROS OFICIAIS DE JANEIRO DE 2007- FEVEREIRO DE 2009 Fonte: ISP

Homicídio Doloso – 12.957
Auto de Resistência – 2.636
Latrocínio – 459
Policiais Mortos em Serviço – 66
Lesão Corporal Dolosa – 160.609
Desaparecidos – 10.607

Total de Mortes Violentas – 16.118

PROJEÇÕES EXTRA-OFICIAIS Fonte: Rio de Paz

Projeção até Maio de 2009 – 18.000
Projeção até Maio de 2009 considerando o assassinato de 50% dos desaparecidos – 23.700

CONSIDERAÇÕES:

1. Estamos diante de números de guerra civil. Eles são obscenos. Um soco na boca do estômago da cidadania e da democracia.

2. O governo tem a obrigação moral de responder às questões referentes à segurança pública que são levantadas por essa estatística.

  • Pergunta nº 1: Qual a meta do governo para a redução de mortes violentas?
  • Pergunta nº 2: Qual o planejamento do governo para a redução das mortes violentas?
  • Pergunta nº 3: O governo tem investido o suficiente nas suas polícias a fim de que elas possam realizar o trabalho? E quanto às políticas públicas para áreas degradadas do estado, tem se mostrado resoluto em trazer dignidade para famílias pobres?
  • Pergunta nº 4: Como a sociedade pode colaborar?
  • Pergunta nº 5: Esse número de mortes violentas estava previsto no cronograma da Secretaria de Segurança?
3. Esse governo herdou o problema referente às mortes violentas, dos governos anteriores, mas tem se mostrado ineficaz na busca de solução.
Os números estabelecem definitivamente o fato. Estamos na metade do terceiro ano de mandato.

4. Celebramos os golpes que o crime organizado recebeu nos últimos dias e a retomada de dois territórios que se encontravam sob domínio armado por parte de marginais. Mas, deploramos os números que apontam para um quadro de desgoverno e descontrole.

5. A multiplicação dessas mortes pelo número de membros das famílias enlutadas faz-nos crer que o Rio de Janeiro está de luto.

6. Quem morre é pobre, perante uma classe média desmobilizada e assustada.

7. É chegada a hora de ser apresentado um projeto de lei na Assembléia Legislativa que obrigue a secretaria de segurança a apresentar publicamente suas metas, planejamento, cronograma e orçamento. Não podemos viver no escuro quando o assunto envolve vida e morte. Em qualquer empresa uma estatística como essa demandaria demissão e/ou revisão de planos.

8. Miremos o México como exemplo negativo do que pode vir a nos acontecer. Caminhamos na direção de confrontos que intensificarão a percepção de que estamos diante de uma guerra civil. Um parlamentar nosso apareceu ontem numa lista de pessoas juradas de morte. Isso pode se alastrar afetando a vida de jornalistas, chefes de redação, militantes da área da defesa dos direitos humanos, políticos legitimamente eleitos, juízes, promotores, entre outros cidadãos mais comprometidos com a manutenção da ordem e da justiça. Vejam o preço que os nossos bons policiais já tem pagado.

9. Por que não é dado subsídio para o ISP trabalhar mais rápido na divulgação das estatísticas? Por que as delegacias tradicionais não foram ainda informatizadas?

10. A política do confronto deveria dar lugar à política de segurança da libertação. Isto significaria usar a inteligência no lugar da força, não matar quando se pode prender e entrar na região dominada pelo crime para permanecer. As populações carentes ficariam livres do domínio territorial armado por parte do crime organizado. A democracia lhes seria devolvida, pois o direito de ir e vir, o direito de livre expressão e o direito à vida lhes seria restaurados.

11. O exército brasileiro vem desempenhado um papel notável no Haiti e não pode permanecer à margem desse processo de libertação. Se nossas leis não permitem às forças armadas de fazer esse trabalho, vamos modificá-las. Se o nosso exército não é capaz de devolver ao povo fluminense as áreas do estado onde impera a ditadura do crime organizado, não temos exército. Mas, quando olhamos para a missão de paz no Haiti sabemos que temos um exército que é capaz de agir com inteligência, sem derramar sangue e interagindo pacificamente com a comunidade, possibilitando assim, a chegada de políticas públicas que conferem dignidade ao pobre.

12. A Polícia Civil precisa de homens. A Polícia Militar, idem. Há uma justificativa moral para uma ação pacífica do exército no Rio de Janeiro. Milhares de pessoas vão morrer nos próximos meses. Não temos tempo a perder. Enquanto o exército age, vamos dar tempo para que as nossas polícias se reestruturem, recebam investimento, tenham o salário aumentado e passem a fazer o trabalho que podem perfeitamente realizar desde que tenham recursos para isso. Não conseguimos imaginar onde estaríamos sem os nossos policiais - seria o caos sem eles (policiais - os homens que zelam pela paz interpessoal na polis - que
beleza de profissão). Contudo, podemos imaginar uma polícia mais eficaz, mais próxima do povo, mais reconhecida pelo seu trabalho preventivo do que reativo, que mate menos e sem envolvimento tão extenso com o crime.

13. Precisamos tratar do problema da violência de modo sistêmico. Policiais militares afirmam que executam pessoas porque se levarem marginais para a delegacia a soltura será negociada. Policiais civis afirmam que não tem como prender porque as leis do país são frouxas. Policiais militares deploram o índice baixíssimo de elucidação de autoria de homicídio doloso feito pela Polícia Civil. Policiais civis reclamam que os locais do crime não são preservados pela Polícia Militar e que não recebem investimento para o trabalho pericial.

14. E, mais. A classe média aplaude as mortes nas favelas, penalizando a pobreza. Alguns defensores de direitos humanos julgam que a miséria justifica crimes que ninguém os relativizaria se fossem cometidos contra um parente seu.

15. Ambas as polícias precisam receber tudo e serem cobradas em tudo. Tem que haver mais investimento e uma maior supervisão da ação policial. Nossa polícia não pode matar o quanto mata.

16. A dependência química de drogas tem que ser vista como problema de saúde pública. Devemos ser favoráveis a uma política de redução de danos. A forma como se combate o tráfico tem se mostrado ineficaz e representado sofrimento para gente inocente.

17. Preservar a vítima inocente é mais importante do que prender o criminoso. Não podemos aceitar a morte de crianças, por exemplo, em troca de tiro entre policiais e traficantes.

18. Precisamos combater o tráfico de droga e arma no entorno da região metropolitana do Rio, poupando as famílias pobres que vivem sob o fogo cruzado da guerra contra o narcotráfico.

19. Nós, cidadãos que vemos todos os dias vidas preciosas serem interrompidas pelo crime, perguntamos: onde está o governo federal nessa história? Qual a sua parcela de responsabilidade? Será que o Rio de Janeiro não está incluído nesse contexto de irresponsabilidade para com a segurança pública, que representará para o governo petista 500 mil pessoas assassinadas no Brasil em 8 anos de mandato? Que democracia suporta isso? O que pessoas haverão de escolher se tiverem que optar entre a vida e a liberdade?

20. Que a nossa imprensa continue a trabalhar livremente. A classe média, em geral, só sabe dos fatos que ocorrem numa comunidade pobre através do trabalho dos nossos corajosos fotógrafos, cinegrafistas, repórteres e jornalistas. Continue a nos fornecer informações que possam nos ajudar a nos mobilizar para salvar vidas. Tem gente que se comove e age com base no que vocês revelam.

21. Essa estatística pode apontar para uma realidade mais dramática. Pensemos nas seguintes questões:

Quantos dos feridos (lesão corporal dolosa) ficaram inválidos ou vieram a morrer dias depois? Quantos dos desaparecidos estão mortos? Quantos desaparecidos não foram registrados e estão mortos? Qual o número de cemitérios clandestinos na região metropolitana do Rio?

22. Grana, sim, dinheiro, está por trás de tudo isso. Pessoas matam e deixam matar por dinheiro. Outras, não falam o que pensam pela expectativa de promoção. No final da linha da corrente, de causa e efeito motivacional, que conduz toda uma sociedade para um massacre (deliberado ou não) de vidas humanas, encontraremos o amor ao dinheiro, aprofundado pelo desejo de comprarmos o que não precisamos para impressionar a quem não gostamos.

23. Quando você vir da próxima vez um filme sobre o Nazismo e os campos de concentração alemães da Segunda Guerra - com todo o seu horror, arbítrio, maldade gratuita e menosprezo à dignidade humana, não pergunte: "como pode acontecer?" O mesmo está acontecendo no Rio de Janeiro perante os seus olhos governo após governo.

24. Temo que muita gente vai ler o que acabei de escrever e ignorar. Os números não causarão espanto. As propostas serão banalizadas (pela discordância de uma proposição ou outra que quem sabe, interfere em interesses pessoais de alguns) ou por pura falta de esperança. E a foto da Edna, mãe da menina Alana, morta por uma bala perdida em 2007,
não comoverá ninguém, pois sua dor é karma de negro. Ninguém pensará no sofrimento das próximas mães que enterrarão filhos que serão assassinados nos próximos dias. Esse artigo não dará em nada.

Como disse o profeta Miquéias:

"Pereceu da terra o piedoso, e não há entre os homens um que seja reto: todos espreitam para derramarem sangue; cada um caça a seu irmão com rede. As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente; o príncipe exige condenação, o juiz aceita suborno, o grande fala dos maus desejos de sua alma, e assim todos eles juntamente urdem a trama".

Antonio Carlos Costa
Rio de Paz

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