SOMOS TODOS CULPADOS
O modelo policial vigente, calcado na interpretação do Código de Processo Penal escrito em 1.941, a despeito da leitura do que preceitua a Constituição Federal e a Lei 9.266/96, era dirigida ao inquérito policial, peça informativa com a finalidade de desvendar o crime, sua autoria e materialidade. Ocorre que, como tudo na vida, a criminalidade evoluiu, e com ela também a polícia. Opa! A Polícia evoluiu? Vejamos.
Nos idos da década de 90, aprimorando métodos já usados pelas delegacias de repressão a entorpecentes, calcado em modelos de outros países, desenvolvemos nossa própria doutrina, da INVESTIGAÇÃO POLICIAL, com a figura do analista policial, que na verdade nada mais é que o investigador na sua essência. Investiga-se para, com robusta materialidade, efetuar prisões e obter maior êxito de uma eventual condenação criminal.
Superamos aquele modelo de polícia cartorária, de instaurar o inquérito por portaria, convocar os suspeitos, indiciá-los e remeter o inquérito relatado ao Ministério Público. Buscamos novas modalidades investigativas, novos conhecimentos, novas parcerias na repressão ao crime. E assim o Departamento de Polícia Federal virou referência no Brasil. Foi a partir de então que um órgão público ganhou notoriedade e reconhecimento por parte da sociedade. Quem antes passava ao largo de uma delegacia de polícia passou a querer integrá-la.
Em seu oportuno artigo “Agente especial – e agora?”, o nobre colega Claudio Serguei Luz e Silva questiona as perspectivas da nossa função. Depois de termos participado desse processo histórico, onde o país engatinha para uma diminuição da sensação de impunidade, o que restou a nós, escritores dessa página da história?Essas linhas têm o propósito de sugerir aos colegas que persistamos em nossos objetivos. Se hoje o Departamento adquiriu o prestígio que tem, se nós acreditamos que essa importância é fruto no nosso trabalho – não exclusivo – nós temos que mostrar o valor que temos. Não podemos esperar simplesmente que os outros reconheçam isso.
Então se nós fazemos, vamos deixar de fazer. Vamos voltar à época da polícia de cartório. Vamos intimar cumprir mandados de prisão, escoltar. Vamos voltar a prender “mulas” e aos plantões. Quantos decibéis emitem um equipamento de escuta? Quanto é o razoável para o ser humano suportar por dia, sem o comprometimento de capacidade auditiva? Há laudo nesse sentido?
Então, se determinado for, vamos ao médico saber quanto de nossa capacidade auditiva perdemos ao longo de nossa carreira, porque um policial, ao contrário de outra atividade, precisa ter capacidade auditiva plena, para escutar um criminoso se movimentar durante uma busca.
Em caso positivo, vamos às outras atividades que não essa. Por lei, nos sujeitamos à carga de 40 horas semanais. É por isso que temos que brigar. Servidor não motivado não tira hora de convívio familiar, de lazer, de estudos para trabalhar. Vão querer bancar essa briga?Hoje nós somos bem remunerados, isso é inegável. Hoje nós buscamos DIGNIDADE. Não podemos ser “reconhecidos” através de viagens, diárias, cursos e viaturas. Não podemos nos submeter a isso.
Nós somos mais que isso. Não podemos achar que através de uma greve vamos conseguir alcançar alguma vitória. O que os jornais vão estampar, é o valor bruto do salário de um agente especial, e nós vamos ser achincalhados pela sociedade.
O cargo que busca ser reconhecida como “carreira jurídica” não cogita fazê-lo através de uma paralisação. Parece que só conhecemos a greve como instrumento de persuasão. Não podemos nos afastar do movimento de 2004, das profundas cicatrizes que ainda não curaram. Temos que ir além da discussão interna, dos artigos publicados nos sites dos sindicatos. Devemos levar a questão às universidades, aos sites jurídicos, aos catedráticos. Temos que ter o Ministério Público, a mídia, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Judiciário como aliados.
Um jornalista conhecido disse uma vez que pra sociedade o agente aparece na foto, de costas, carregando as caixas, enquanto a entrevista, em “on”, é dada pelo integrante de outro cargo, denotando para sociedade que o trabalho intelectual é realizado por estes, enquanto o nosso é braçal.
A Constituição Federal assegura que todos devem ser tratados igualitariamente na medida de suas igualdades, e desigualmente, na proporção de suas desigualdades (CF, art. 5º, caput). A pergunta é: nós estamos em igualdade de armas com quem presta um concurso público e somente estuda o dia inteiro? A reposta parece óbvia e é não.
Enquanto nós fazemos o Departamento por no mínimo 08 horas ao dia, o concurseiro dedica-se por igual período aos estudos. Hoje o sentimento que domina vários dos meus pares é o de descrença, de desânimo. Poucos são os que acordam para o trabalho com vontade, com pujança, com força. A energia que deveria estar direcionada ao combate ao crime, está canalizada para o cursinho preparatório, para o livro aberto durante o expediente.
Mais que um desabafo, esse artigo busca plantar dentro de cada profissional a importância que temos na construção do nosso futuro, do futuro do Departamento de Polícia Federal, do futuro de uma sociedade mais justa e igualitária.
Marcelo Pasqualetti é brasileiro, é bacharel em direito e pós-graduando em Limites Constitucionais da Investigação (UNISUL) e Ciências Criminais (UCAM) e está agente de polícia federal, classe especial. Obs.: Texto extraído de um fórum de debate sindical convocado pelo Sindicato dos Policiais Federais em Santa Catarina - SINPOFESC.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário