As atitudes criminosas consumadas por militares do Exército Brasileiro, contra três jovens moradores do Morro da Providência, em nada contribuem para o encaminhamento de conclusões simplistas por parte de autoridades públicas do Rio de Janeiro.
Por exemplo, dizer que o exército não está preparado para atuar na segurança pública além de constituir-se num argumento oportunista e falacioso, significa, em última instância, desconhecer completamente a realidade presente em muitas comunidades populares.
Nesses espaços geográficos urbano, geralmente denominados favela, predomina o domínio territorial armado imposto por narcotraficantes que, em algumas ocasiões, utilizam práticas terroristas para, através da exacerbação do medo, intimidar a população e as autoridades dos poderes públicos constituídos.
Estamos falando de uma situação real que por si só expressa um estado de grave perturbação da ordem pública com notório comprometimento do funcionamento das instituições democráticas e republicanas.
Estamos falando da necessidade premente do Estado brasileiro resgatar o monopólio da força em alguns desses territórios, uma conquista indelével da humanidade, um marco inquestionável da nossa civilização. Estamos falando da possibilidade constitucional de decretação do Estado de Defesa.
Por outro lado, o discurso da desqualificação do Exército a partir de ações isoladas, pressupõe que as forças policiais do estado do Rio de Janeiro são plenamente capazes de cumprir com a sua missão constitucional e de intervir na realidade violenta e criminosa que assola diariamente a vida da população fluminense, o que não é verdade.
Se tomarmos como corolário esse raciocínio medíocre, expresso por diversas autoridades e por especialistas da área de segurança pública, também chegaríamos facilmente à conclusão de que em razão dos inúmeros casos de policiais que participam de grupos de extermínio, ou estão diretamente envolvidos com atividades criminosas, milícias, etc, as polícias civil e militar também não estão preparadas para atuar na segurança pública.
Então, o que fazer de imediato diante desse quadro caótico conceitualmente definido por Durkheim como estado de anomia?
À primeira vista, me parece bastante razoável que os Poderes Públicos, federal e estadual, reconheçam publicamente três realidades que insistem em negligenciar: 1) a existência no Rio de Janeiro de espaços geográficos dominados territorialmente por grupos paramilitares, que impõem aos subjugados uma política de terror para perpetuação de suas atividades ilícitas; 2) a falências de diversas instituições públicas, em especial as organizações de segurança pública do estado do Rio de Janeiro; 3) a ausência, no âmbito nacional e estadual, de uma efetiva política de segurança pública, integrada, objetiva e consistente.
O segundo passo seria, depois de superadas as vaidades pessoais e institucionais das nossas autoridades públicas, bem assim as disputas de poder não declaradas, reunir ao redor de uma mesa todas as forças e atores sociais relacionadas com as questões acima expostas, para que sejam traçadas as estratégias necessárias objetivando, sobretudo, a retomada do território, a garantia plena do funcionamento das instituições republicanas e o livre exercício dos direitos civis.
Essas ações devem ser imediatamente desencadeadas, principalmente em face dessas novas ameaças que estão caracterizadas pelo domínio territorial armado e pela prática do terror imposta tanto por narcotraficantes quanto por forças milicianas com grave risco e comprometimento para o funcionamento dos poderes constituídos.
São medidas adotadas em razão dessas novas ameaças e que se enquadram perfeitamente a um novo conceito de segurança que já vem sendo aplicado e desenvolvido nos Estados Unidos da América e na União Européia: trata-se de um novo modelo estratégico denominado em alguns países de “Segurança Interior”.
O terceiro e decisivo passo seria a promoção de uma ampla e profunda reforma no sistema brasileiro de segurança pública. Nesse sentido, a despeito de outras providências, duas medidas me parecem fundamentais: 1) a desvinculação das Polícias Militares do Exército Brasileiro; e, 2) a substituição do atual modelo de funções policiais bipartidas pelo modelo institucional baseado no ciclo completo da atividade policial. Feita essa necessária reforma aí sim poderíamos almejar algum dia, quem sabe, ter uma polícia verdadeiramente cidadã.
Tenente – Coronel de Polícia e Membro do Movimento Segurança Cidadã.
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