Terça-feira, 18 de novembro de 2008.
Rio, a cidade do terror e dos policiólogos.
Por Milton Corrêa da Costa
Fonte: Blog da Segurança (Jornal, O Dia).
A cidade do Rio de Janeiro está ocupada, em boa parte, por grupos de narcoterroristas e de milicianos, onde milhões de seus habitantes vivem sob a égide da opressão e / ou do temor ao crime. Na constatação da violência extrema e desafiadora, onde se ressalta, por dever de justiça, alguns resultados positivos da ação policial pró-ativa, basta observar os acontecimentos mais recentes, dignos mesmo de fazer inveja aos áureos tempos de Cali e Médelin.
Recentemente na Praça Bandeira, no centro do Rio, numa ação de desafio ao estado, bandidos utilizando uma caminhonete ("bonde do terror") dispararam, durante a madrugada, vários tiros de fuzil contra uma cabine da Polícia Militar. A cabine ficou parcialmente destruída e o policial militar ali de serviço escapou ileso por um milagre.
Na manhã do mesmo dia, numa incursão no Morro do São Carlos, próximo ao centro da cidade, agentes de duas forças especializadas da Polícia Civil lograram apreender, atrás de uma parede falsa de uma casa, 91 kg de cocaína pura. A maior apreensão da droga nos últimos dois anos em todo o estado. Na mesma incursão foram encontradas 10 mil munições de fuzil AK-47 e de pistola.
Dois dias antes, numa operação, também de agentes da Polícia Civil, no Morro do Cantagalo, na zona sul do Rio, foram encontradas armas de guerra no escritório de obras do PAC, no interior das dependências de uma igreja. Entre as armas foi achada uma metralhadora antiaérea .30 do Exército Boliviano. Durante a intervenção policial no local três traficantes, homiziados no interior do prédio, foram mortos resistindo agressivamente à ordem de prisão.
Também na ação de polícia pró-ativa, a que não espera o crime acontecer para reagir - polícia reativa acabou no mundo - uma força especial da Polícia Militar, O BOPE, considerada uma das mais conceituadas tropas de combate urbano no mundo, logrou apreender meia tonelada de maconha e alguns fuzis (não de brinquedo), desses que nos matam com tiro na cabeça nos sinais de trânsito ou em razão de bala perdida ou ainda numa ação de guerrilha no melhor estilo Chicago anos 30, tipo a que aniquilou recentemente, de modo covarde, com a vida de um diretor de presídio, oficial superior da PM, cujo veiculo que conduzia, numa via expressa de grande movimento, em plena luz do dia (desafio e ousadia extrema), foi atingido por cerca de 50 tiros.
Para fechar o relato de guerra, na madrugada de sábado 15 de novembro, data em que em tempos idos nos preparávamos para as comemorações da Proclamação da República - parece que o civismo também é coisa do passado - num tiroteio no Morro dos Macacos, no Bairro de Vila Isabel - o célebre Noel Rosa não merecia esse desprazer - seis pessoas morreram, entre elas uma senhora de 72 anos, vítima de tiro de fuzil na cabeça.
Infelizmente em toda guerra, convencional ou não, a população civil sofre os seus efeitos. Durante a invasão de uma facção criminosa rival (aconteceu durante um baile funk), pertencente ao Morro São João, no Engenho Novo, mais seis pessoas resultaram feridas. O noticiário de guerra informa que a troca de tiros, com seguidas explosões de granadas, começou no fim da madrugada, durou duas horas e foi até de manhã quando os "bandidos sociais", narcoterroristas de carteirinha, em fuga alucinada e cinematográfica, entraram em conflito bélico com policiais pelas ruas próximas ao Estádio do Maracanã. Alguns moradores da localidade disseram à reportagem televisiva que jamais tinham presenciado tal cena, muito própria de morros e favelas, onde moradores continuam a ser oprimidos pelo tráfico ou por grupos paramilitares de milicianos.
Por falar em milícias, que atuam em 171 comunidades do estado, a Comissão Parlamentar de Inquérito, da Assembléia Legislativa, em seu relatório, ainda a ser votado em plenário da Alerj, indiciou 226 pessoas, incluindo um deputado, vereadores, policiais militares, civis, bombeiros, agentes penitenciários, militares das Forças Armadas e dezenas de civis, como envolvidos com tais grupos.
É bom lembrar que o fenômeno da violência, que preocupa a própria ordem institucional no país e a paz social, se espalha também por São Paulo, onde recentemente, além do retorno dos grandes assaltos a bancos, narcoterroristas invadiram uma delegacia especializada em entorpecentes,em Botucatu, a 240 km da capital, roubaram o que podia, destruíram tudo o que encontraram pela frente, inclusive inquéritos e boletins de ocorrência e explodiram o prédio numa cena típica de ação da Al-Qaeda. Imagina se a ação terrorista vira moda.
No caso do Rio de Janeiro, no contexto de permanente guerra urbana, alguns "policiólogos" de plantão continuam a criticar a firme e realista posição do governador Sérgio Cabral na sua política de enfrentamento ao banditismo sonhando que tamanho cenário violento pode ser combatido pelas forças legais sem dar um só tiro, cabendo então indagar. Qual seria a solução para a guerra do Rio? Aplicar modelos importados de polícia? Liberar o uso de drogas? Implantar teses antropológicas e sociológicas, irreais para conter a criminalidade atípica do Rio? Reformar o aparelho policial? Aliás como é possível conceber uma nova polícia, em meio de uma guerra, onde um policial militar percebe salários de R$ 1.000,00 e onde o tesouro do estado não comporta pagar um salário mais digno? A solução para a guerra do Rio seria não mais incursionar nos redutos do tráfico?
Adotar, como antiga proposição de uma ONG, bem conhecida do Rio, o modelo de convivência do governo colombiano com as FARCs, analogamente ao caso do Rio, com cada um em seu domínio, com áreas de exclusão à ação policial, tipo "finge que não trafica que eu finjo que não estou vendo". Aí a polícia só prenderia, "inteligentemente", algum bandido social, armado de fuzil de guerra,se este estivesse dormindo no alto do morro e não oferecesse resistência, entregando seu arsenal pacificamente.
Acho melhor cair na real e observar que estamos vivenciando uma das mais violentas e sangrentas guerras urbanas que já se teve notícia na história do mundo. Certamente que não será com passeatas e irrealismo que se vai encarar tal questão. Qual é a solução dos policiólogos? Permanecer sonhando, no ar condicionado, com a "Polícia de Shangri-lá"?
Para o caso do Rio só há momentaneamente uma estratégia policial capaz de frear o avanço do narcoterrorismo. Como não há efetivo suficiente da polícia ostensiva- a PM precisaria do dobro do efetivo atual para ocupar as 700 favelas aqui existentes- só resta, enquanto é tempo, fazer uso da ação pró-ativa, a que se antecipa ao crime, na busca e vasculhamento permanente aos redutos do tráfico.
Espera-se também que a Policia Federal, em sua missão constitucional, faça a sua parte, não somente em ações espetaculosas (sociedade do espetáculo), mas também no controle da entrada de armas e drogas no país. Por enquanto o Rio continuará sendo a cidade do terror.
Comentários sobre o artigo:
1º) Combater, enfrentar, confrontar o crime, a criminalidade, o banditismo, no meu ponto de vista não é política, mas sim dever e obrigação do Estado, da Polícia;
2º) Nesse sentido, a política do atual governo é a mesma daqueles que o antecederam, ou seja, "enxugar o gelo";
3°) Nesse contexto, o Estado, através da Polícia, atenta contra a própria Constituição Federal (vide Art. 144 - sobre a razão de ser da segurança pública: garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio) pois maximiza a exposição de pessoas a riscos que comprometem a integridade física das mesmas, gerando os famigerados efeitos colaterais, sobretudo, nas favelas, com vários casos de crianças e idosos mortos.
Qual seria a solução?
O principal problema da segurança pública no Rio é a existência de espaços geográficos sob domínio territorial armado, ou seja, territórios onde o estado não é capaz de exercer o monopólio do uso legítimo da força legal. Territórios onde prevalece uma lógica selvagem exteriorizada sob o manto das execuções extrajudiciais e outras excrescências. Os poderes legais constituídos simplesmente não existem.
Além do mais existe um problema matemático não resolvido. Creio que para policiar o Rio de Janeiro temos em média cerca de 2.500 policiais por dia, ou seja, 10.000 homens e mulheres, subdivididos em quatro equipes. Somente para libertar o Complexo do Alemão e o Parque Proletário da Vila da Penha (sem contar Cidade de Deus, Rocinha, Complexo da Maré, Jacarezinho, Mangueira...) precisaríamos contar com pelo menos 4.000 policiais. Matematicamente essa conta não fecha.
O que fazer então?
Não há outro caminho: diante do fenômeno do tráfico de drogas e das milícias, o Estado precisa reconhecer sua incapacidade operacional em termos de recursos humanos e logísticos para fazer frente a essas demandas por policiamento e segurança.
É necessário desconstruir o conceito da guerra pela guerra, a todo o custo, doa a quem doer, e definir um novo conceito baseado no esforço de libertação das favelas, no esforço do desarmamento e da desmobilização de civis armados. É necessário saturar o terreno, o teatro de operações, com o efetivo necessário, para se promover uma ocupação territorial estratégica, de caráter regular e permanente, bem como uma varredura detalhada para que se possa identificar e apreender armas e munições e dessa forma, desativar "as minas humanas" que estão para explodir. Eventuais confrontos com morte de opositores é algo previsível, porém não desejável. Deve-se evitar, a ocorrência de efeitos colaterais. A vida é o bem maior e tal qual deve ser preservado, mesmo que implique numa não reação imediata.
Nesse cenário só através da decretação de Estado de Defesa, com a participação das Forças Armadas e do MP, além de outras áreas do governo (sobretudo saúde e assistência social) e de observadores nacionais e internacionais, será possível libertar a favela dos opressores oficiais e não oficiais. O resto é conversa fiada. É para inglês ver.
A propósito, aproveitando a onda da blindagem (caveirão, caveira, caveirinha, caveirão voador, cabina blindada, etc...), seria interessante se fosse aprovada uma proposta para isentar o contribuinte do pagamento do IPVA durante os próximos 5 anos. Dessa forma, todos poderiam economizar e cada qual blindar o seu próprio veículo. O que acham da idéia?
Observações:
1) Quanto ao conceito de pró-atividade expresso na idéia articulada pelo autor, simplesmente, com todo o respeito, não tenho comentários a fazer...
2) O autor esqueceu-se de falar sobre a impunidade, principalmente àquela decorrente das baixas taxas de esclarecimento dos delitos, sobretudo, os homicídios.
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