quarta-feira, 9 de abril de 2008

Políticas Públicas - Prevenção do Delito

PREVENÇÃO DO DELITO
Síntese do trabalho original de autoria de:
Antonio Garcia e Pablos de Molina

I . A PREVENÇÃO DO DELITO NO ESTADO “SOCIAL” E “DEMOCRÁTICO” DE DIREITO.

O crime deve ser compreendido como um fenômeno social, de natureza inter pessoal e comunitária. Em linhas gerais o fenômeno criminal está associado ao conjunto de fatores intervenientes na constituição de uma determinada sociedade. Assim é que cada sociedade possui uma espécie ou modalidade própria de delito que caracteriza e sustenta o aspecto de universalidade com que é observado tal fenômeno. Torna-se fácil verificar que raízes empíricas atuais do fenômeno criminal, herdados de uma tradição sócio - cultural, constituem a base científica para a análise e a interpretação dos mecanismos de organização social que engendraram o comportamento delituoso numa dada e referenciada sociedade.

À primeira vista, a solução veementemente reclamada pela sociedade para a completa extirpação desse “mal”, passa, necessariamente pela intervenção do Estado, através de seu aparato policial. Contudo, tal percepção falseia o conteúdo real de uma evidência universal ao mesmo tempo em que mascara as forças e os movimentos, histórico e materialmente constituído num ambiente culturalmente contextualizado. Imputar à miséria, à má distribuição de renda, a impunidade institucionalizada e a tantas outras razões as causas do fenômeno criminal, por si só não contribui efetivamente para o enfrentamento racional que a questão exige. Entender as variáveis e os fenômenos subjacentes que ajudaram a construir o pensamento político, social e econômico brasileiro talvez seja o primeiro passo na tentativa de compreender a complexidade do fenômeno criminal que assola, em particular, nosso país. Não obstante, outros fenômenos sociais merecem destacada importância para a compreensão do assunto em tela, como por exemplo a Religião, as Instituições, a Tecnologia, dentre outros. Entretanto, melhor seria considerá-los como apropriações adaptativas de uma realidade material de dominação do homem pelo homem, onde o Estado constitui o principal mecanismo de opressão face o projeto previamente concebido de organização social. É portanto, na perspectiva do Estado Social e Democrático de Direito, sob a égide e o império da Lei, que os mecanismos de controle social devem ser empregados como única forma de garantir os direitos fundamentais e sociais do cidadão. A pergunta que se faz é a seguinte: Como garantir tais direitos numa sociedade marcada pela desigualdade social ? A resposta não é simples, porém pode-se arriscar uma intervenção consubstanciada na idéia de construção de cidadania. Nos dias de hoje, o modelo clássico de repressão estatal já não corresponde à realidade extremamente conflituosa reproduzida pelo ritmo de vida urbano. Os conflitos, cada vez mais, encontram-se revestidos de características peculiares que não podem sequer sofrer o rigor axiológico da classificação, objetivando assim concentrar os esforços de repressão. Sem dúvida que, no momento atual, a instituição policial representa muito menos do que representou em tempos idos, no tocante ao controle das forças sociais oprimidas e marginalizadas. O efeito repressivo não funciona mais como resposta às diversificadas demandas conflituosas. Não significa contudo, execrar o aspecto funcional da ação repressiva do Estado e sim redimensioná-la a um plano de efetividade e pronta resposta, primando-se sempre pelo conjunto de ações preventivas, as quais deverão ser balizadas pela concepção de parceria comunitária, visto que sem ela a evidência delituosa estará sempre em destaque e o cidadão permanecerá inerte, fomentando constantemente a síndrome do medo.

II . CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRIMINOLOGIA “CLÁSSICA”, “NEOCLÁSSICA” E A MODERNA CRIMINOLOGIA.

A Criminologia “clássica” contemplou o delito como enfrentamento formal, simbólico e direto entre o Estado e o infrator. Nesse contexto, a pretensão punitiva do Estado polariza e esgota a resposta ao fato delituoso prevalecendo à face patológica. A reparação do dano causado á vítima não se apresenta como exigência social. Tampouco preocupa a efetiva “reintegração” do infrator. A dimensão comunitária do conflito criminal e da resposta solidária que ele reclama permanecem, portanto, camufladas no nível de abstração. Em suma, não se pode sequer, dentro deste modelo de análise criminal e político criminal, falar de “prevenção” do delito (“estricto sensu”), senão de dissuasão penal. Os modelos de prevenção do delito clássico e neoclássico consideram que o meio adequado para prevenir o delito deve ter natureza “penal” (a ameaça do castigo), ou seja, o mecanismo dissuasório, mediante o efeito inibitório da pena, expressa fielmente a essência da prevenção. A diferença básica entre o modelo “clássico” e “neoclássico” de prevenção do delito encontra-se no fato de no modelo “clássico” a questão da prevenção é polarizada em torno da pena, do seu rigor ou severidade enquanto que, no modelo neoclássico, a efetividade do impacto dissuasório depende mais do funcionamento do sistema legal, tal como ele é percebido pelo infrator potencial, que na severidade abstrata das penas.

Já a moderna Criminologia é partidária de uma imagem mais complexa do acontecimento delituoso de acordo com o papel ativo e dinâmico que atribui aos seus protagonistas (delinqüente, vítima, comunidade) e com a relevância acentuada dos muitos fatores que convergem e interagem no “cenário criminal”. Destaca o lado conflituoso e humano do delito, sua aflição, os elevados “custos” pessoais e sociais deste doloroso fenômeno, cuja aparência patológica, de modo algum nos conduz a uma serena análise de sua origem, nem o imprescindível debate político criminal sobre as técnicas de intervenção e de seu controle. Neste modelo teórico, o castigo do infrator não esgota as expectativas que o fato delitivo desencadeia. Nesse sentido, reparar o dano, reintegrar o delinqüente e prevenir o crime são objetivos de primeira magnitude.

III . O CONCEITO DE “PREVENÇÃO” E SEUS DIVERSOS CONTEÚDOS.

Existe um setor doutrinário que identifica a prevenção com o mero efeito dissuasório da pena. Prevenir equivale a dissuadir o infrator potencial com a ameaça do castigo. A prevenção é concebida com prevenção criminal e opera no processo da motivação do infrator.
Outros autores ampliam o conceito de prevenção, salientando que ele compreende o efeito dissuasório mediato, ou seja indireto, que pode ser conseguido por meio de instrumentos não penais que alteram o “cenário” criminal, modificando alguns dos fatores ou elementos do mesmo (espaço físico, desenho arquitetônico e urbanístico, atitudes das vítimas, efetividade e rendimento do sistema legal etc.).

Para muitos estudiosos do sistema penitenciário, finalmente, a prevenção do delito não é um objetivo autônomo da sociedade ou dos poderes públicos, senão o efeito último perseguido pelos programas de reintegração e inserção do condenado. Trata-se, pois, não tanto de evitar o delito, senão evitar a reincidência do infrator. Tal conceito de prevenção equipara-se ao de prevenção especial. Evitar a reincidência do condenado implica em uma intervenção tardia no problema criminal (déficit etiológico). Por outro lado, revela um acentuado traço individualista e ideológico na seleção dos seus destinatários e no desenho dos correspondentes programas (déficit social). Por fim, concede um papel protagonista desmedido às instâncias oficiais do sistema legal (déficit comunitário).

Contudo, em sentido estrito, prevenir o delito é algo mais. O conceito de prevenção do delito não pode desvincular-se da gênese do fenômeno criminal, isto é, reclama uma intervenção dinâmica e positiva que neutralize suas raízes, suas “causas”. A prevenção deve ser contemplada como prevenção “social”, ou seja, como mobilização de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente um problema “social”. Nesse contexto, há de se destacar a concepção doutrinária decorrente da classificação dos níveis de prevenção em primária, secundária e terciária. A distinção baseia-se em diversos critérios : na maior ou menor relevância etiológica dos respectivos programas, nos destinatários aos quais se dirigem, nos instrumentos e mecanismos que utilizam, nos seus âmbitos e fins perseguidos.

Conforme tal classificação, os programas de prevenção primária orientam-se à raiz do conflito criminal, para neutralizá-los antes que o problema se manifeste. Busca atingir um nível de socialização proveitosa de acordo com os objetivos sociais. Educação, habitação, trabalho, bem estar social e qualidade de vida são os âmbitos essenciais para uma prevenção primária, que opera sempre a longo e médio prazo e se dirige a todos os cidadãos.

A chamada prevenção secundária, por sua parte, atua mais tarde em termos etiológicos, ou seja, no momento onde se manifesta ou se exterioriza o conflito criminal. Opera a curto e médio prazo e se orienta seletivamente a concretos (particulares) setores da sociedade, àqueles grupos e subgrupos que ostentam maior risco de padecer ou protagonizar o problema criminal. A prevenção secundária conecta-se com a política legislativa penal, assim como com a ação policial.

Programas de prevenção policial, de controle dos meios de comunicação, de ordenação urbana e utilização do desenho arquitetônico como instrumento de autoproteção, desenvolvidos em bairros de classes menos favorecidas, são exemplos de prevenção secundária.

IV . BREVE REFERÊNCIA AOS PRINCIPAIS PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO.

Podemos destacar a existência de dois fatores básicos que contribuíram para a definitiva consolidação de um novo paradigma político - criminal: o da prevenção. Em primeiro lugar, o fracasso indiscutível do modelo repressivo clássico, baseado em uma política penal dissuasória, como única resposta ao problema do delito. Em segundo lugar, o próprio progresso científico e a utilíssima informação que diversas disciplinas reúnem sobre a realidade da delinqüência. Se o crime não é um fenômeno casual, fortuito, aleatório, isto é se não é um produto do azar ou da fatalidade, senão um acontecimento altamente seletivo, como revelam tais disciplinas (o crime tem seu momento oportuno, seu espaço físico adequado, sua vítima propícia etc.), uma informação empírica confiável sobre as principais variáveis do delito abre imensas possibilidades para a sua prevenção eficaz.

Dentre os inumeráveis programas de prevenção conhecidos, vejamos uma breve informação sobre os pressupostos teóricos, principais diretrizes e conteúdos de alguns deles:

1) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO SOBRE DETERMINADAS “ÁREAS GEOGRÁFICAS”.

Seu pressuposto doutrinário consiste na existência de um determinado espaço, geográfica e socialmente delimitado, em todos os núcleos urbanos industrializados, que concentra os mais elevados índices de criminalidade: são áreas muito deterioradas, com péssimas condições de vida, pobre infra-estrutura, significativos níveis de desorganização social e residência compulsória dos grupos mais conflituosos e necessitados. O espírito reformista desse programa prevê medidas de reordenação e equipamento urbano, melhorias infra - estruturais, dotação de serviços públicos básicos etc.

2) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO POR MEIO DO DESENHO ARQUITETÔNICO E URBANÍSTICO.

Tais programas de prevenção orientam-se à reestruturação urbana e utilizam o desenho arquitetônico para incidir positivamente no “habitat” físico e ambiental, procurando neutralizar o elevado risco de influências que favorecem o comportamento delituoso ou de se tornar vítima desse comportamento que ostentam certos espaços, assim como modificar, também de forma satisfatória, a estrutura “comportamental” do vizinho ou habitante destes lugares. Assim como o programa de prevenção sobre determinadas “áreas geográficas”, o programa de prevenção por meio do desenho arquitetônico e urbanístico não previne o delito, somente o desloca para outras áreas menos protegidas, deixando intactas as raízes profundas do problema criminal e tem uma inspiração policial e defensiva, é dizer, não etiológica.

3) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO “VITIMÁRIA”.

A prevenção orientada para vítimas parte de uma comprovação empírica não questionada por ninguém, isto é, o risco de se tornar vítima não se reparte de forma igual e uniforme na população nem é produto do azar ou da fatalidade: trata-se de um risco diferenciado, calculável, cuja maior ou menor probabilidade depende de diversas variáveis pessoais, situacionais, sociais (relacionadas, em princípio, com a própria vítima).
Os programas de prevenção de orientado para vítimas, potenciais ou não, pretendem informar - e conscientizar - as vítimas potenciais dos riscos que assumem, com a finalidade de fomentar atitudes maduras de responsabilidade, autocontrole, em defesa dos seus próprios interesses. Perseguem também, uma mudança de mentalidade da sociedade em relação à vítima do delito: maior sensibilidade, solidariedade com quem padece as conseqüências dele.

4) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DO DELITO DE INSPIRAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL.

Uma Política Social progressiva, se converte, então, no melhor instrumento preventivo da criminalidade, já que desde o ponto de vista “etiológico” - pode intervir positivamente nas causas últimas do problema, do qual o crime é um mero sintoma ou indicador. Os programas com esta orientação político - social são, na verdade, programas de prevenção “primária”: genuína e autêntica prevenção. Pois se cada sociedade tem o crime que merece, uma sociedade mais justa que assegura a todos os seus membros um acesso efetivo às cotas satisfatórias de bem - estar e qualidade de vida - em seus diversos âmbitos (saúde, educação e cultura, casa etc.) - reduz correlativamente sua intensidade conflituosa assim como as taxas de delinqüência. E os reduz, ademais, de modo mais justo e racional, combinando a máxima efetividade com o menor custo social.

5) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE DE ORIENTAÇÃO “COGNITIVA”.

Se a aquisição de habilidades cognitivas tem demonstrado ser uma eficaz técnica de intervenção reintegradora, porque isola o delinqüente de influências perversas, parece lógico supor que uma tempestiva aquisição pelo jovem de tais habilidades evitaria que este tivesse participação em comportamentos delitivos. Sua eficácia, pois, alcança não só o âmbito da intervenção (“tratamento”), senão também o da “prevenção”.

6) PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA REINCIDÊNCIA.

Embora este tipo de programa não contemple a prevenção como objetivo específico imediato, haja vista dirigir-se, antes de tudo, ao condenado - ou ao infrator - com a pretensão de evitar que o mesmo volte a delinqüir. São, pois, programas de prevenção terciária, que tratam de evitar a reincidência do infrator, não de prevenir o “desvio primário”. Muito destes programas, como se verá, pertencem mais à problemática da “intervenção” (ou “tratamento”) que à prevenção, entendida em sentido estrito. Outros correspondem ao conhecido modelo dos “substitutivos” penais: baseia-se em fórmulas alternativas à intervenção drástica do sistema legal (quando se trata de conflitos pouco graves) para liberar o infrator do seu inevitável impacto gerado por estigmas.

V . BASES DE UMA MODERNA POLÍTICA CRIMINAL DE PREVENÇÃO DE DELITOS.

Uma moderna política criminal de prevenção do delito deve levar em conta as seguintes bases:

1) O objetivo último de uma eficaz política de prevenção não consiste em erradicar o crime, senão em controlá-lo razoavelmente.

2) No marco de um Estado social e democrático de Direito, a prevenção do delito suscita inevitavelmente o problema dos “meios” ou “instrumentos” utilizados, assim como dos “custos” sociais da prevenção.

3) Prevenir significa intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando suas “causas”.

4) A efetividade dos programas de prevenção deve ser programada a médio e longo prazo.

5) A prevenção deve ser contemplada, antes de tudo, como prevenção “social” e “comunitária”, precisamente porque o crime é um problema social e comunitário.

6) A prevenção do delito implica em prestações positivas, contribuições e esforços solidários que neutralizem situações de carência, conflitos, desequilíbrios, necessidades básicas.

7) A prevenção científica e eficaz do delito, pressupõe uma definição mais complexa e aprofundada do “cenário criminal“, assim como nos fatores que nele interagem.

8) Pode-se também evitar o delito mediante a prevenção da reincidência. Mas, desde logo, melhor que prevenir “mais” delitos, seria “produzir” ou “gerar”menos criminalidade.

VI . BIBLIOGRAFIA
García - Pablos de Molina, Antonio.
Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos / Antonio García - Pablos de Molina ; tradução de Luiz Flávio Gomes. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992.

6 comentários:

Alexandre, The Great disse...

Um ótimo artigo, permita-me copiar, difundir para minha lista e parabenizá-lo pela iniciativa de publicar seus brilhantes textos na WEB.

Anônimo disse...

Um artigo muito interessante e que revela que seu autor tem lido e se informado sobre o assunto - o que confere credibilidade ao texto. Vale a pena, é o que pretendo fazer, ler esse artigo e guardar as suas palavras para escrever textos sobre a relação entre as políticas públicas (e também o conceito de "representação") e a prevenção efetiva (primária) do delito; ou sobre as relações entre a ideologia dos grupos de Rap (principalmente Facção Central) e a problemática da prevenção do delito (por que eu penso assim? veja: "não caia na armadilha, siga a minha apologia: mesmo de barriga vazia esqueça a jóia da rica [...]" [música "APOLOGIA AO CRIME" / "Relato o que leva o ladrão pro cofre [...]" / "O Brasil não dá escola, mas dá metralhadora. O Brasil não dá comida, mas põe crack na rua toda" / "Pelo sangue da guerra civil, pela criança dormindo no frio, pelo nóia morto no rio: pow, pow, pow, pow - vai pra puta que pariu (com respeito à falência do modelo de representação clássica nas instituições democráticas e ao modelo de repressão e combate clássico dos atos delituosos). As referências às músicas faltam agora, maas é interessante pensar nessas relações e o artigo em questão contribui na medida em que se não é original no que diz constitui uma reunião dos conceitos e exposição do tema "prevenção do delito".

Anônimo disse...

prestar concurso publico,e esse texto com tanta qualidade de informação veio totalmente de encontro as minhas necessidades parabens ao autor e obrigada por disponibiliza-lo as vistas publicas...

neide costa

Anônimo disse...

Vou prestar concurso publico,e esse texto com tanta qualidade de informação veio totalmente de encontro as minhas necessidades parabens ao autor e obrigada por disponibiliza-lo as vistas publicas...

neide costa

Anônimo disse...

Me ajudou bastante, excelente!

Jonas Sousa Ramos disse...

Muito obrigado! ótimo artigo, me ajudará bastante