domingo, 20 de julho de 2008

Política de segurança: as relações com o governo federal começam a azedar.



O secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Brisolla Balestreri, disse, em entrevista ao Jornal do Brasil, que a política de enfrentamento utilizada pelo Rio de Janeiro está errada. Ele também afirmou que a classe média é culpada pelo avanço da violência, pois "aplaudiu políticas de eliminação".

Ontem, moradores do morro Azul, na zona sul do Rio de Janeiro, desceram a favela e promoveram uma série de ataques na região, ordenando o fechamento do comércio e da estação do metrô do Flamengo. As ações seriam em represália pela morte de um morador, que teria sido atingido por policiais nesta noite.

O baleado foi identificado como Edson Vaz do Nascimento, 36 anos, e teria sido atingido ao estacionar sua motocicleta em frente a casa de sua mãe no morro Azul.

O que o senhor acha da política de enfrentamento à criminalidade no Rio?

Precisamos ver em que patamar ocorre o crime. Um deles é o crime organizado. Nesse patamar precisamos fazer o enfrentamento. É claro que o crime organizado não se converte com políticas de polícia cidadã ou de proximidade. Mas com um enfrentamento mediado todo o tempo pela inteligência, informação e conhecimento. Mesmo nesse patamar, em hipótese nenhuma, o enfrentamento pode ferir inocentes. Se o preço é ferir um inocente, esse enfrentamento está moral e tecnicamente incorreto. Não podemos trocar a vida de um inocente pela do bandido. O Estado seqüestrou a polícia da nação e a democracia precisa devolvê-la ao povo.

As linhas do Pronasci são opostas ao enfrentamento. Como conciliar o papel do governo federal com a política do governo do Rio?

O Rio passou por uma fase em que se premiava matadores, fase em que o confronto com o crime organizado valia a vida de inocentes. Agora está pagando por todos esses equívocos históricos. Para não setorizar a critica apenas aos governos, a classe média tem muita culpa, na medida em que aplaudiu políticas de eliminação. Agora temos que ajudar a educar a classe média para que ela perceba que, quando aplaude a eliminação dos pobres, isso nunca vai parar nos pobres. A política de eliminação vai acabar tomando a vida dos filhos da classe média.

É o que está acontecendo, hoje, no Rio?

Se trocar aquela tragédia com aquela criança de três anos (João Roberto Soares, assassinado na semana passada dentro do carro dirigido pela mãe) e pensar que dentro do automóvel poderiam estar três jovens negros, pobres, homens e trabalhadores e tivessem sido fuzilados, provavelmente os setores formadores de opinião estariam aplaudindo e dizendo: menos três bandidos. Há muita hipocrisia. O senso comum é mau conselheiro na área de segurança pública. Não podemos fazer segurança com base em emoções. Podemos entender as emoções de uma população atemorizada, mas os operadores públicos têm de administrar com a razão. Segurança não se faz com o fígado, e sim com o cérebro.

A política de segurança do Rio está equivocada?

É equivocada e foi pouco inteligente, porque trabalhou sempre com a perspectiva da ideologia da guerra. E nunca parou para perceber que essa ideologia leva aos trágicos índices que o Rio tem hoje e que nunca mudam. Se tivesse funcionado nos últimos 40 anos, os índices teriam sido alterados. Mas tenho de ser justo com o governo do Rio. Nos últimos dois meses temos recebido projetos que apontam para o processo de conscientização dos gestores de segurança.

Quais são os sinais?

Projetos de controle biométrico de arma de fogo, cujo controle sempre foi um caos. As armas de fogo apreendidas hoje eram repassadas amanhã para o tráfico. Nunca se teve clareza sobre quantas armas usadas pelos policiais, quantos tiros deram. Estou recebendo um projeto revolucionário de algo que sempre marcou a história do Rio. Quando recebo um projeto para colocar todos os policiais na universidade ele é coerente com o mundo contemporâneo, que é o mundo da complexidade, onde o policial ensina a universidade e esta também ensina a polícia.

Qual é a saída?

Temos uma proposta que está sendo bem aceita pelo governo do Rio, que é a troca das armas de guerra por armas tenicamente adequadas para uso em meio urbano. Enviamos recursos para a compra de 1.500 carabinas ponto 40, que têm poder suficiente de parada e não vai ferir quem está atrás ou atravessar parede. A lógica da guerra não vale para um país democrático. Não estamos em guerra, onde vale até matar um inocente.

Os governos estaduais investem muito em viaturas e armas. O que falta?

Esse é o momento de investir mais em formação, em capital humano, inteligência e num leque de armamento que vai das não-letais às letais para que o policial as escolha para o tipo de ocorrência adequado,em polícia comunitária, que chamamos de política de proximidade, em operações especiais cujo objetivo seja preservar a vida. Em segurança pública sabemos cientificamente o que fazer para dar certo. O problema é conseguir remover essa maldita cultura empírica. Por que as pessoas (gestores) não conseguem olhar para as estatísticas e perceber que tudo isso é um desastre e que tem de mudar a maneira de intervir?

Qual é a dificuldade em aplicar uma política com rigor ao crime, mas com respeito ao cidadão?

Quando chegou para nós um projeto pedindo R$ 55 milhões para a segurança do Rio, nós devolvemos e exigimos que se fizesse um projeto de malha presencial de polícia para que o Rio superasse o modelito histórico da política que entra tiroteando, sai e tudo continua na mesma. A pergunta que fizemos é: como é que a polícia do Rio ia entrar (numa favela) e ficar? O Rio teve a humildade de retomar o projeto e apresentou uma proposta com malha presencial. O Rio também nos pediu dinheiro para os caveirões. Nós respondemos que enquanto não se resolvesse esse confronto entre o uso de blindados e a população civil, que reclama, a União não vai financiar caveirões.

O Rio tem condições de mudar sua política?

O Rio já está se dando conta de que a mera política de confronto não tem levado a bom resultado. O que acontece hoje é por inércia cultural. A herança maldita é a ideologia da guerra, mas está percebendo que isso não funciona.

JB Online

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito louvável as posturas do Secretário Balestreri. Ao ler suas opiniões, notei certa afinidade com um dos maiores especialistas em Segurança Pública no Brasil, Luiz Eduardo Soares. Esperemos que ele consiga implementar o que Luiz Eduardo não consiguiu na SENASP.