sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Milícias: Origens e Desafios.


Vista aérea de Rio das Pedras: berço das milícias, grupos de extermínio formados por policiais e ex-policiais.

Texto e foto reproduzido na íntegra.

Repórter de Crime: Um RX da Segurança.

Por Jorge Antonio Barros.

O perito legista aposentado, Leví Inimá de Miranda, envia texto no qual manifesta um certo ceticismo diante da ação de milícias no Estado do Rio de Janeiro.

“As milícias vieram para ficar porque elas são braços do poder público", afirma o médico, que nos leva 40 anos atrás para contar uma das sagas da violência no Rio.

É a seguinte a íntegra de seu artigo para a seção Blogueiro por um dia:

O associativismo na favela de Rio das Pedras surgiu no ano de 1969, quando cerca de dez famílias viram-se ameaçadas de remoção daquela região, pelo governador Negrão de Lima.

Como a favela sempre foi primordialmente habitada por nordestinos, oriundos em especial dos estados da Bahia, do Ceará e da Paraíba, desde a década de setenta até meados da década de noventa, um grupo de nordestinos assumiu o controle daquela localidade.

Segundo reportam Marcelo Burgos, e Sônia de Oliveira, no livro ”A Utopia da Comunidade“, de acordo com moradores, aquele grupo muito se assemelhava à prática dos cangaceiros.

Segundo contam, na década de 70, um paraibano, depois de receber um tiro durante um assalto e ser humilhado, teria formado com mais dois amigos um grupo para reprimir e exterminar os bandidos e traficantes do local.

Mediante a prática da ”justiça com as próprias mãos“, tal grupo, além de impedir que bandidos e traficantes lá se estabelecessem, culminou por cometer arbítrios e violências, além de exploração dos moradores.

Os ”cangaceiros“ passaram a sofrer grande resistência por parte de moradores, dentre eles policiais. E foi dessa forma que policiais assumiram o controle daquela comunidade.

Mesmo dominada por milicianos ao longo de mais de uma década Rio das Pedras sempre foi vista como uma favela ”modelar“, uma vez que lá não havia bandidos, nem traficantes.

Ledo engano. Todavia, o poder público e boa parte da sociedade viam com bons olhos aquela liderança surgida – esse é o berço das milícias.

A ação das milícias começou a ser relatado pelo jornal O GLOBO em 2005.

Entre novembro e dezembro de 2006, reportagens da Rede Bandeirantes, relataram os primeiros depoimentos sobre as milícias e também a atuação delas em 90 favelas.

Porém, estes grupos só passaram a serem conhecidos como milícias no final de 2006, quando uma onda de ataques na cidade, entre 27 a 31 de dezembro, às vésperas do reveillon, grupos de traficantes ligados às três facções do Rio e grupos menores (com exceção de um deles) promoveram ataques contra alvos civis e militares.

Esse atentado foi apontado como uma represália às “milícias”, que a esta altura já dominavam 92 favelas da capital fluminense.

O governador Sérgio Cabral, após assumir o cargo em janeiro de 2007, declarou que as milícias eram “o fim do mundo”.

Porém, desde que assumiu, deu prioridade ao combate ao tráfico de drogas, talvez devido ao fato de que os milicianos gozavam de certa simpatia por parte da população, a qual descrente com os sistemas de segurança estaduais preferia o “mal menor" que as milícias podem representar.

Segundo publicado na coluna do jornalista Hélio Fernandes, no jornal Tribuna da Imprensa, em 05.06.2008, o governador, logo depois da posse, também afirmara: “As milícias vão garantir a segurança do Pan-Americano”.

A Secretaria de Estado de Segurança Pública realizou, em 07.03.2007, reunião com representantes das policiais Civil e Militar, e integrantes dos setores de Inteligência para integrar as informações entre os diversos órgãos das polícias sobre a ação dos grupos paramilitares que atuavam no Rio - as denominadas “milícias”.

Segundo o delegado Beltrame, o relatório original da Inteligência, produzido naquele ano, já tinha cerca de cem nomes de servidores públicos envolvidos.

Ainda segundo a matéria de Hélio Fernandes, o secretário de segurança Beltrame disse: “Quero as provas da corrupção na polícia”; e foi ele – o delegado Beltrame – que, 24 horas depois da denúncia do JORNAL NACIONAL, com relação aos atos de torturas sofridos por repórteres de O Dia, garantiu: “Já sei quem cometeu esse crime, faltam provas”.

A questão essencial repousa na total ausência do poder público, na corrupção das polícias, na falta de controle interno pelas Corregedorias e na desídia do Ministério Público.

A partir de 1990 tivemos oito governadores (Moreira Franco, Brizola, Nilo Batista, Marcelo Alencar, Anthony Garotinho, Benedita da Silva, Rosinha Garotinho e Sérgio Cabral) e todos fecharam os olhos a esse componente danoso denominado milícias.

O cerne de toda essa questão está na corrupção manifesta por policiais, bombeiros militares e até militares das Forças Armadas. Daí cabe as indagações: 1- Quantos policiais e bombeiros militares, após processos administrativos, foram expulsos por integrarem milícias?; 2- Quantos militares das Forças Armadas foram levados aos Conselhos de Justificação (oficiais) e de Disciplina (praças), por crimes ligados às milícias?

E mais: se o governo não consegue coibir a participação de policiais na proteção dada a banqueiros de bicho e também como “seguranças” às máfias de caça-níqueis e bingos, é crível que milicianos sejam identificados, processados e expulsos de suas instituições?

Alguém acredita que os serviços de inteligências não tenham conhecimento dos profissionais que vivem da corrupção e crimes outros?

É certo pensar que diante de tantos sinais externos de enriquecimentos, as Corregedorias não investiguem policiais e bombeiros militares?

E o que dizer do MP? Alguém crê que o MP cumpra seu papel como representante do povo, como fiscal que é da Lei, do inquérito e das ações de polícia? Afinal, não são policiais que fazem a segurança de desembargadores, juízes, procuradores e promotores?

E, em meio a todo esse mar de lama, políticos e sociedade cobram algo do poder público, nesse sentido?

Alguém duvida do envolvimento de políticos numa série de práticas criminosas?

Então, recorrer a quem?

As conclusões da CPI das milícias são perfeitas ao tempo que utópicas. Alguém acredita que todos os apontados pela CPI serão devidamente processados, julgados e condenados?

Félix Tostes era rico e bem demonstrava sua riqueza – claro que não poderia ser de seu pequeno provento... –; e foi condecorado com medalha “Medalha de Honra, Fidelidade e Devotamento da Polícia Civil”, entregue pelo delegado Ricardo Hallack – que está preso em Bangu 8... –; também fora condecorado, na Câmara dos Vereadores, com a “Medalha Pedro Ernesto”, a mais alta condecoração do município do Rio de Janeiro – aliás, banqueiros do jogo do bicho também já foram agraciados no passado com essa excelsa condecoração... Alguma investigação foi procedida antes do assassinato daquele inspetor de polícia? Claro que não, posto que ele ocupava cargo de confiança do Chefe de Polícia à época – o delegado Ricardo Hallack.

O bombeiro conhecido pela alcunha de “Gaguinho” foi preso, em estado de flagrância, pela Corregedoria da Polícia Civil e a autuação logo desfeita a guisa de “engano cometido”. Aliás, esse tal de “Gaguinho” deveria processar o Estado pelo “constrangimento” a ele imposto de forma “injusta”.

O poder público, por acaso, investigou a história contada por Luis Eduardo Soares, no capítulo por ele escrito no livro “Elite da Tropa”, apontando corrupção e crimes vários por parte de autoridades públicas constituídas, no governo Garotinho? Não interessou porque havia muita gente graúda envolvida. Somente um menorista intelectual não percebe que várias autoridades públicas, à época, foram retratadas tendo seus nomes trocados. Dos citados, com os nomes trocados, três até foram eleitos para cargos parlamentares.

Como certa vez disse Sérgio Lacerda, “Não se pode pretender representar Shakespeare no país da Dercy Gonçalves”.

Nosso país é uma vergonha!

O tempo passará e tudo tornará como dantes!

Dr. Leví Inimá de Miranda.

Médico Legista.


Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/

Um comentário:

Anônimo disse...

obs' nao foi um paraibano foi um capixaba esta falando o que nao sabe