segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Política de Segurança do RJ: Metas e Resultados


Perguntas sem Respostas

Jacqueline Muniz

Domício Proença Júnior

A política de segurança no Rio de Janeiro parece entender o narcotráfico como um desafio à soberania do Estado. Um desafio cuja única resposta cabível é a de uma forma de guerra — interna, limitada, contra-guerrilheira — que combate o assim chamado “crime organizado” e contesta seus “santuários”.

Esta lógica de intervenção nos parece, em princípio, inadequada ao tratamento das questões de ordem pública. Mas, antes de insistir nesta crítica inicial, entendemos que uma política de segurança merece ser avaliada em função de suas próprias diretrizes. Quais são os critérios de atuação deste modelo para avaliar o seu próprio sucesso ou fracasso?

Na boa teoria da contra-guerrilha, consideram-se dois aspectos principais:

O primeiro é a relevância da dimensão psicossocial que predomina em todos os momentos do conflito. Não é o ato guerrilheiro em si que ameaça a segurança, mas a possibilidade, a perspectiva perene desta ação.

Esta expectativa engendra um sentimento generalizado de insegurança que deve ser considerado uma área de ação tão importante quanto as expectativas e demandas das ruas. Numa democracia, isto se traduz por um esforço incansável de se manter a opinião pública adequadamente esclarecida. Sem esta transparência, se aceita o risco de um agravamento do temor e a conseqüente perda da credibilidade dos órgãos de segurança.

O segundo é a necessidade do uso de índices objetivos de vitória ou derrota, que buscam expressar a materialidade do desenrolar de um conflito. São índices que instruem as avaliações e orientam os planejamentos: o número de inimigos vencidos (mortos, feridos e capturados), o número e tipo das armas perdidas pelo inimigo, a diminuição da atividade-fim que norteia a ação do adversário, o tempo e a qualidade do controle do território.

Esses resultados são, então, contrastados com o dispêndio dos meios empregados: as baixas sofridas, os custos da manutenção das forças e de suas operações, os custos da elevação do nível de controle sobre o território.

A estes custos diretos se somam ainda os indiretos, os recursos perdidos pela persistência do conflito: as perdas de inocentes (baixas colaterais) e o prejuízo às atividades econômicas e sociais — os efeitos nefastos da ampliação do risco e do sentimento de temor, que afastam investimentos, inibem iniciativas e incrementam as desordens e os distúrbios sociais.

Contrariando o que seria a prática de uma guerra contra o crime igualado à guerrilha, a atual política de segurança não tem adotado, de forma consistente, nem a perspectiva psicossocial nem as ferramentas analíticas de desempenho. A ênfase exclusiva no número de mortos, ainda que de parte a parte, constitui exemplo típico de um emprego superficial do acervo de técnicas da contra-guerrilha.

Vale insistir: se a luta contra o “crime organizado” deve ser conduzida em termos bélicos, então é preciso verificar sua consistência com os preceitos bélicos. Isto é: não se pode conduzir o conflito apenas em termos das táticas do enfrentamento, sem a análise estratégica e logística das perspectivas de vitória, sem um enquadramento que reconheça as expectativas da população como campo dominante de intervenção.

É dizer: a variável denominada “saldo de mortos” é insuficiente para realizar uma avaliação dos resultados atingidos.

Esta discrepância entre o método e o que vem sendo apresentado como índice suficiente de sucesso contra o “crime organizado” no Rio de Janeiro parece indicar um de dois cenários: Ou se trata de uma opção deliberada de comunicação social, na qual se omitem os índices de desempenho da opinião pública, ou simplesmente de inconsistência real na aplicação do próprio modelo de intervenção escolhido.

No primeiro caso, sacrifica-se o espaço da transparência em nome, talvez, de uma visão equivocada de sigilo, na qual toda população é percebida como uma massa de “elementos suspeitos” — ou, mesmo, incapaz de entender e colaborar com a estratégia adotada. No segundo caso, o diagnóstico é ainda menos feliz, pois, sem dispor dos índices, pode-se estar atuando às cegas.

Uma avaliação adequada contemplaria os resultados obtidos diante dos custos, à luz das metas. Neste caso, a meta parece ser a de vencer o “crime organizado”. Seguindo a estrutura exposta mais acima, cabe ponderar, aceita a lógica bélica, sobre as seguintes questões:

1) O saldo de mortos reflete um aumento generalizado do nível de atividade de repressão, isto é, espelha um aumento significativo das prisões, apreensões e ganhos de controle territorial sobre o crime?

2) Ou, ao contrário, expressa apenas um aumento da letalidade da ação policial?

3) Como o extermínio não é uma política possível, este incremento de mortes resulta de uma nova ênfase operacional ou de dificuldades de controle no emprego de táticas contra-guerrilheiras no contexto da segurança pública?

4) Houve diminuição da prática criminosa organizada como resultado desta escalada?

5) Houve encarecimento nos preços de drogas e armas como resultado do “custo de risco” da política adotada?

6) Houve recrudescimento de atividades criminais correlatas?

7) Qual foi o efeito desta política sobre as chefias e sobre a tropa do “inimigo”?

8) Houve deserções desde o crime?

9) Desmantelaram-se organizações?

10) Interromperam-se os fluxos do tráfico?

11) Qual é a taxa de eliminação (morte, prisão) do inimigo para cada policial perdido (morto, ferido, incapacitado)?

12) Quais foram as denominadas situações táticas típicas?

13) Como se poderiam minorar as baixas — de ambos os lados — nos enfrentamentos?

14) As perdas sofridas pelas polícias (mortos, feridos, incapacitados) no combate ou em função dele foram mensuradas com o risco e, em especial, com os resultados obtidos?

15) No nível atual de perdas, o fluxo de reposição das polícias e sua coesão são capazes de sustentar a funcionalidade da instituição e desta política no médio e longo prazo?

16) Quais são os prognósticos gerais de vitória em termos de operações e custos (especialmente, mortes)?

17) Há perspectiva de se vencer o crime?

18) Em que termos?

19) Em que prazo?

Sem respostas a estas perguntas e sem os dados para respondê-las, qualquer avaliação torna-se impossível e qualquer prognóstico, demagógico. A credibilidade da política de segurança fica comprometida na ausência de respostas conseqüentes e dos dados básicos.

Na ausência de esclarecimentos deliberados, a população pode percebê-la como um gesto discricionário, que eleva a violência mas não atende às suas demandas por segurança. A situação é ainda mais grave se a atual política abriu mão dos índices de desempenho.

Se for este o caso, cabe indagar sobre como avaliar, planejar e controlar as ações necessárias para uma busca racional de vitória. Sem estes índices, as ações se reduzem a sucessivas atitudes reativas, entremeadas com ações táticas de espetáculo, que carecem de um rumo estratégico.

É assim que se perde.

Artigo publicado no Jornal do Brasil, 07/05/96.

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