quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Reforma Política = Reforma da Segurança Pública



Loteria

TIM WEGENAST, O Globo (01/10/2008).

A História não deveria cansar a memória, e, sim, iluminar a razão. Infelizmente, a memória brasileira está fatigada de um episódio coerentemente repetitivo: a corrupção. Em tempos de eleição, os nossos castelos de areia construídos em torno da ingênua fantasia de que existem partidos honestos e desonestos arranham o céu. De uma vez por todas devemos entender que os políticos são tão corruptos quanto as instituições lhes permitem ser. Se não avançarmos com a reforma política, seguiremos a mercê de julgamentos meramente pessoais sobre a integridade dos candidatos.

Pouco antes de sua morte, Hobbes escreveu que o grande intuito dos poderosos era enfatizar em quem as pessoas deveriam acreditar. A atual campanha eleitoral, na qual políticos ressaltam a própria integridade e denigrem a idoneidade do adversário, corrobora essa visão. Encabeçada pelos próprios candidatos, a mitificação ideológica é reforçada por proeminentes articulistas da mídia brasileira. Não pretendo questionar o indispensável papel da imprensa investigativa. No entanto, essas caças à anta – verdadeiras cruzadas marcadas por cega parcialidade e aversões pessoais contra determinados partidos – são de pouca utilidade.

A política não é coisa de santos. Acreditar na existência de maniqueísmos como o do partido honesto contra o partido corrupto é querer contar estórias da carochinha. Com apoio de grande parte da população brasileira, o “caçador de marajás” anunciou o combate à corrupção. O final da história todo mundo conhece. A nefasta Máfia das Sanguessugas envolveu dez partidos políticos dos mais distintos espectros ideológicos. Há mensalões petistas e mensalões tucanos - não intencionando contudo, justificar os graves escândalos revelados ao longo do atual governo.

Os indivíduos são bastante similares e, parafraseando Montesquieu, eles não são confiáveis no poder (quem não se lembra dos suínos em a Revolução dos Bichos?). Desta convicção, o filósofo concebeu a famigerada Teoria da Tripartição dos Poderes. Para combater práticas ilegais, deveríamos confiar mais em instituições políticas que reduzam o livre arbítrio e menos em percepções subjetiva.

O emaranhado político no Brasil é de uma complexidade shakesperiana. Políticos trocam de partido como trocam de roupa. Diariamente, traçam-se as mais absurdas coligações. Na falta de disciplina partidária, parlamentares votam contra a própria legenda. E cabe ao eleitor a utópica tarefa de controlar os representantes. Precisamos acabar com a personalização do sistema político brasileiro, fortalecendo a fidelidade e a disciplina partidárias, reduzindo o número de partidos e reformando o financiamento das campanhas eleitorais.

A suposta inconstitucionalidade da cláusula de barreira é uma carta-branca para a conservação da fragmentação partidária. A lei de (in) fidelidade partidária, com direito à janela para o “troca-troca”, não vai acabar com o adultério político. Nosso sistema de representação proporcional estimula a competição intrapartidária e a debilitação dos partidos. Lamentavelmente, a adoção do voto em lista fechada foi vetada pela Câmara dos Deputados. Com isso, uma reforma da legislação acerca do financiamento de campanhas eleitorais torna-se, por ora, improvável.

Estudos apontam que apenas um entre mil indivíduos consegue detectar sinais de mentira em outra pessoa. Não é exagero, portanto, afirmar que as eleições municipais equiparam-se a uma loteria. Prefiro apostar em instituições que fortaleçam os partidos e promovam accountability. Enquanto isso não acontece, seguiremos nos alimentando das mais novas reviravoltas políticas no país das fantasias.

TIM WEGENAST é professor da Universidade de Konstanz, na Alemanha.

Comentários: Concordo em número, gênero e grau com a reflexão e a proposição de idéias tão bem expressas no texto acima. Salvo profundo engano, por ora, estou bastante convencido de que a reforma política é, sem qualquer sombra de dúvida, a mãe de todas as outras reformas, inclusive a reforma do sistema de segurança pública. No meu ponto de vista o sistema político vigente está completamente esgotado, dentre outros, pelos seguintes fatos e motivos que destaco e que considero relevante: a) no Brasil, o sistema de listas abertas favorece, de forma direta ou indireta, a existência de partidos políticos fracos, notadamente marcados por um baixo nível institucional, com precária fidelidade e coesão interna e com candidatos com ficha suja; b) a dinâmica interna gerada a partir do sistema de listas abertas propicia disputas “fratricidas” entre candidatos de uma mesma chapa, o que favorece ao empreendimento de dinâmicas personalizadas deslocadas de um projeto político – partidário, efetivamente objetivo e consistente; c) dentre as inúmeras possibilidades de “dinâmicas empreendedoras” ainda persiste na cultura política brasileira a prática assistencialista como expressão privilegiada da ação política, através da apropriação de recursos, serviços e equipamentos públicos essenciais com vistas ao atendimento das expectativas e demandas privadas do candidato e do partido, e que na maioria das vezes são incorporadas a uma lógica e a um projeto político de poder não declarado em detrimento dos legítimos anseios do cidadão (vide, por exemplo, o caso escandaloso dos centros sociais pertencentes a políticos, bem como as “milícias”); d) partidos fracos, inconsistentes na unidade, desprovidos de uma proposta política consolidada, significam, em última instância, partidos sem plataforma e sem projetos de governo, haja vista que tudo gira em torno das espúrias alianças quase sempre dissociadas do verdadeiro interesse comum. Nesse contexto, qualquer reforma no sistema, inclusive no de segurança, representa uma ameaça real à lógica dominante. Talvez por essa razão, o cumprimento irrestrito da Lei, bem como as boas práticas policiais comunitárias não consigam emplacar pra valer a ponto de serem incorporadas como políticas institucionais dos governos e das corporações policiais. Via de regra, os policiais defensores e gestores de tais práticas progressistas, são marginalizados na instituição e condenados ao ostracismo, haja vista que todo o trabalho desenvolvido por esses verdadeiros profissionais da segurança pública, representa uma séria ameaça aos interesses escusos e ocultos dos políticos inescrupulosos de plantão. Em linhas gerais, a conduta ética e moral e o comportamento profissional desses servidores públicos vão de encontro com toda a lógica perversa que alimenta a prática assistencialista e o “espírito miliciano”.

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